Resultados – Análise no Poder Legislativo
Nossa intenção foi avaliar a movimentação legislativa nacional da pauta de gênero — em especial a que se alicerça na narrativa da “ideologia de gênero”, promovendo uma ação contrária às políticas de gênero. Para isso levantamos as legislações em tramitação no Senado e na Câmara, tentando identificar os autores, estratégias e destaques que incidam negativa e positivamente sobre as pautas, possibilitando aos movimentos de atuação legislativa construírem ações de incidência no espaço e prospecção de parcerias.
Ressaltamos que, ao debater políticas de gênero, demarcamos prioridades como legislações que abordam as mulheres e recortes interseccionais de raça e transgeneridade — focos de ataques discursivos do campo conservador na mídia e nas redes —, além de tramitações que dialoguem com a pauta LGBTQIA+.
Análise das legislações
Listamos 247 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, na atual legislatura, até 31 de dezembro de 2021: 12 tramitam no Senado, e 245, na Câmara dos Deputados. Das propostas contabilizadas, 15 são PDC (Projeto de Decreto da Câmara); 5 são PEC (Proposta de Emenda à Constituição); 10 são PLS (Projeto de Lei do Senado); 198, PLC (Projeto de Lei da Câmara); 2, PRC (Projeto de Resolução da Câmara); 14, PDL (Projeto de Decreto Legislativo); e outros 2, projetos de lei complementar.
Do total, 132 estão apensados (correm em conjunto a outros projetos) e 115 seguem em tramitação – sendo estes últimos os que devem reter nossa maior atenção, pois estão apresentam movimentação nas casas. Não há projeto apensado no Senado.
Escolhemos avaliar a totalidade de projetos, mesmo os apensados, pois teremos a dimensão de como as pautas de gênero, orientação sexual e identidade de gênero transitam no Congresso. Entender o comportamento deste congresso, e conseguir medir o seu impacto para as políticas de direitos do nosso país é crucial para subsidiar a nossa militância na luta por democracia e direitos humanos.
Do total de projetos analisados, 4 são neutros, pois tanto possuem aspectos positivos quanto negativos, demandando de nós atuação para análise e articulação para elaboração de substitutivos que positivem seu conteúdo. Isso significará que a atuação e incidência do movimento social em acompanhar os projetos de lei, articular-se com os mandatos parlamentares e lhes subsidiar argumentos para a produção do texto da possível lei que entrará em disputa. Será fundamental ter uma articulação política capaz de contactar com mandatos e sugerir conteúdo.
Do restante, 46 são negativos (23 apensados e 23 em tramitação) e 183 são positivos (107 apensados e 76 tramitando). Dentre os projetos apensados negativos, a maioria trata dos mesmos assuntos e são quase cópias em seu conteúdo, refletindo que legisladores utilizam deste expediente para se promover à custa de narrativas de “proteção a família” em suas bases eleitorais, promovendo o enxugamento da pauta e suspendendo direitos já conquistados pela população LGBTQIA+, que são alvo de 81% destes projetos.
Da totalidade de projetos, 121 versam especificamente sobre mulheres, 147 sobre pessoas LGBTQIA+, 25 exclusivamente sobre pessoas trans (lembrando que há projetos que tratam transversalmente de mais de um tema, assim como excluem parte de sua população).
Dos 121 que versam sobre mulheres — excluindo os que falam especificamente sobre mulheres trans e travestis —, apenas 5% levam em consideração mulheres transgêneras e cisgêneras. Com exceção da atuação das deputadas federais Maria do Rosário, Erika Kokay, Natalia Bonavides e Talíria Petroni, que fizeram esta inclusão em mais de um projeto, a maioria concede ou promove direitos a uma parte das mulheres deste país, excluindo desta mulheridade a transgeneridade. Parte destes projetos são importantes para a pauta de gênero como um todo, e nossa posição foi de destacá-los como positivos, mantendo nosso apoio à sua tramitação, mas há de se pensar como uma tarefa dos movimentos feministas e LGBTQIA+ estratégias de narrativas e ações que disputem os conceitos de feminino, mulher e gênero em suas incidências legislativas.
Assim como nas pautas legislativas pró-LGBTQIA+, excluindo as especificas sobre homossexualidade, mais de 30% ainda tratam apenas da orientação sexual ou sexo, sem levar em consideração o gênero ou identidade de gênero. Fora a quase completa ausência de legislações que abarquem e a completa inexistência de leis específicas sobre bissexualidade, não binariedade e intersexualidade, além de outras identidades de gênero e orientações sexuais.
Foram encontrados 18 projetos, dentre os 46 negativos, que se utilizam de garantia de direitos no âmbito da segurança, como a proteção a discursos ou uso de imagens religiosas ou defesa de crianças e adolescentes, para coibir a garantia de direitos e acesso a cidadania a pessoas LGBTQIA+ — em especial as transgêneras —, além de projeto para sustar conquistas importantes como a decisão do STF em criminalizar a homotransfobia. As 28 propostas sustam ou negam direitos conquistados, como a já citada criminalização da homotransfobia ou protocolos de atendimento à população LGBTQIA+ e até a delimitação de família a partir da heterocisnormatividade.
Mesmo sendo em números menores, identificamos que projetos negativos que abordam principalmente pautas trans ou que explicitam o termo “ideologia de gênero” tendem a tramitar com mais celeridade e avançam sempre que pautas bombas que afetam ou denunciam a atual gestão ganham força na mídia. Isso acontece na tentativa de proteger a ala conservadora de escândalos, validando seus operadores como os guardiões da família e isentando-os da responsabilidade por atos condenáveis.
Outro fator importante é a necessidade de intensificar a articulação legislativa para incidência nos relatores de projetos, que em propostas importantes acabam caindo nas mãos de conservadores a fim de impedir a tramitação ou deturpar conteúdo — em especial nos projetos de mulheres nos quais há um apagamento da transgeneridade, além de uma incidência em amenizar o machismo. Há de se intensificar o diálogo com a bancada feminina do espaço legislativo, para maior identificação de parcerias e convencimento da importância de construção de narrativa a fim de impedir recuos nas aprovações de projetos pró-pauta de gênero.
Entre os partidos que apresentam proposituras avaliadas como negativas, listamos o União Brasil (fusão do PSL e DEM), com 10 projetos, e o PSC (Partido Social Cristão), com 8. Ambos possuem textos que sustam direitos conquistados e utilizam a defesa de pessoas cristãs ou da prática religiosa como justificativa para manter discursos ofensivos à pauta LGBTQIA+. São grupos que mais recorrem ao termo “ideologia de gênero” de forma explícita em seus projetos, para além da narrativa discursiva.
Em terceiro lugar figura o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e o Republicanos, com 5 projetos cada. Em quarto lugar estão o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o Solidariedade, o Avante e o PSD (Partido Social Democrático), com 2 proposituras cada. E, por último, com 1 propositura cada, estão o Podemos, Progressistas, PMN (Partido da Mobilização Nacional), PHS (Partido Humanista da Solidariedade) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
Chama-nos atenção que partidos reconhecidos como sendo de esquerda ou progressistas figurem nesta lista, sinalizando a necessidade de reforçar o debate no campo progressista e popular.
Das proposituras positivas, analisando toda pauta de gêneros, os partidos que mais têm proposituras são o PT (Partido dos Trabalhadores), em primeiro lugar, com 50, seguido do PSDB, com 25, e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), com 23. O União Brasil tem 16 projetos; PDT (Partido Democrático Trabalhista), 11. Com 10 projetos estão PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), seguidos do PSB, com 8, e Podemos, com 6. O PSD tem 5 projetos; o PL, 4; Progressista, 3; e com 1, cada, estão o Republicano, PROS (Partido Republicano da Ordem Social), PV (Partido Verde), PTB, Rede Sustentabilidade e PSC.
Se avaliarmos estes projetos, notamos que os partidos com proposituras apenas para as mulheres especificamente são o Solidariedade, PROS e PTB. Os outros possuem projetos pró-LGBT, com destaque para o PT e PSOL, com 32 e 20, respectivamente (sendo os partidos mais pro-LGBTQIA+ do Congresso, pois não possuem proposituras negativas), e o PSDB, com 17.
Chama-nos a atenção a postura do PSC, reconhecido como extremo conservador, que possui 1 propositura positiva. No entanto, mesmo incluindo a pauta, ignora a identidade de gênero e reforça o termo sexo em detrimento de gênero. Também é interessante a situação do MDB, partido de direita que não possui proposituras negativas, mas registra projetos inclusivos. Há também duas proposituras oriundas de comissões.
O PT e o PSOL também configuram como partidos mais incidentes na disputa pela inserção de pessoas trans e de mulheres trans e travestis em projetos de mulheres, cada um com 4 projetos. PSDB, MDB, PSB e PCdoB também apresentaram projetos nesse sentido.
Avaliando os temas nos quais estes projetos se debruçam, a pauta de combate à violência foi a que mais registrou proposituras. Há 11 projetos negativos, 7 alteram o código penal para incluir a LGBTQIAfobia, 4 criam leis específicas, 1 institui sanções administrativas, 9 incluem em legislações existentes recortes sobre orientação sexual e identidade de gênero, 2 alteram parágrafos da constituição para incluir orientação sexual e identidade de gênero. A Lei Maria da Penha e a rede de proteção às mulheres possuem mais de 20 proposituras incidentes. E relacionada à decisão do STF de inclusão da homotransfobia na aplicação da Lei 7.716, há 12 legislaturas para transformá-la em lei e 9 legislações de proposições de ações estatais com desdobramentos na área de segurança pública e justiça para efetivar sua aplicação.
Sete projetos versam sobre Educação, campo no qual a disputa de ideologia de gênero aparece mais forte na pauta negativa e no qual na pauta positiva há maior reação.
Administração Pública possui 8 projetos, sendo 4 deles na promoção de dados sobre a pauta de gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Por fim, 3 legislações versam sobre sistema prisional, 12 sobre saúde, 3 sobre registro civil, 2 sobre acesso à terra, 5 sobre assistência social, 2 deles sobre moradia, 1 sobre esporte, 14 sobre emprego, 3 sobre visibilidade e 13 sobre acesso de mulheres e/ou LGBTQIA+ à política.